segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Ela é minha princesinha

O cego e a noite
Como ele sabe que já está escurecendo? Como ele pode fugir do perigo da escuridão, se ele próprio vive nela? E, para ele, não há perigo na escuridão. O perigo está em quem consegue vê-lo, portanto não há. Cores e luzes não fazem diferença. A beleza de uma mulher é, para ele, baseada em sua voz, em sua pele, em seu cheiro, em seu jeito de tocar, em seus passos mansinhos. O tempo não é notado. Talvez o seu cansaço seja a única medida para o término de um dia. A música é sua visão. Os sons que a vida faz. De manhã, o som da colher mexendo o café. A tarde, o som das buzinas e sirenes. A noite, a paz: o som de seu amor vindo ao seu encontro. Corujas, passarinhos, grilos. Estrelas não têm graça, porque para ele não existem. As pessoas que o rodeiam hão de ser sensíveis e boas com palavras. Para que possam dizer que o céu não é só azul. É branco, é cinza, é da cor dos pássaros que nele voam, é da cor do fim da tarde que cai, é vermelho-alaranjado, é azul-escuro, é da cor do brilho da lua. O horizonte tem um cheiro e ele pode senti-lo, porque teve de aprender. Seus sonhos são coloridos? De que cor são seus pensamentos? Sua vida é feita de pensamentos e imaginações. É feita de cheiros, de vozes, de toques, de abraços, de gostos, de coração. É seu coração que vê por ele, porque há de se respeitar mais do que nunca sentimentos e intuições. Os passos cautelosos, nunca com pressa. As palavras que saem da boca alheia são mais escutadas.
Uma vez, um garotinho cego estava desesperado, não sabíamos porquê. Cuidamos logo de lhe arrumar um campo imenso e vazio: "Eu só queria poder correr sem medo." A gente pode correr, mas também tem medo. Eu posso ver, mas eu queria enxergar as coisas como um cego. Todos os dias são noites e todas as noites duram o dia inteiro. Para um cego o dia não tem fim. Onde começa e onde termina?

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